sexta-feira, 30 de julho de 2021

Como Open Source contribui com a minha carreira e com negócios para minha empresa?

Faz tempo que converso com desenvolvedores, empreendedores, curiosos e interessados sobre o mundo Open Source, e sempre pensei em como compartilhar e responder grande parte das perguntas e deixar registrado. 

Se eu disser que foi intencional e planejado da minha parte, eu estou mentindo, mas nessa semana eu participei de duas lives em que pude compartilhar muito do que eu sempre explico para quem me pergunta sobre o tema. Aprendizados e lições de um velho hacker (na essência do termo).

A intenção não foi minha, mas foi o resultado da ação e provocação da Carol Vilas Boas, Otávio Santana, Lucius Curado e Mari Moreira. Feliz demais em poder vivenciar o dia a dia e aprender com eles, meu Dream Team!

Nada do que está aqui é escrito na pedra, são minhas experiências compartilhadas. De longe sou o dono da verdade, mas compartilhei o que aprendi.

Aqui sobre como Open Source gera valor em rede:



O próximo é um FAQ ao vivo sobre Open Source, com a MEGA participação do Bruno Souza, maior responsável por me explicar o que era Open Source, e o cara que me motivou a sair daquele lugar confortável que eu estava como "gerente de projetos" no começo dos anos 2000 e descobrir que o mundo era maior que a minha bolha de ego pessoal... lá fora é maior que aqui dentro (falo disso no vídeo anterior), e foi o Bruno que me fez ver isso aqui no Brasil (conheci o Simon por ele). 

Quando vi o Bruno no palco a primeira vez, falando, compartilhando e brilhando meu olho, encontrei meu propósito de vida, mas disso eu já contei aqui

Nosso FAQ sobre Open Source de hoje:


De longe sou ou somos autoridades, mas adoramos compartilhar o que aprendemos. Conhecimento multiplica quando divide (sim, contraria a matemática), e aprendemos sempre.

Uma interpretação simplista de UBUNTU é: "se quer ir perto, vá sozinho, quer ir longe, vá em grupo". Essa é a tática, mas eu adoro a filosófica: "Eu sou porque nós somos".

Na real: é sobre nós, não sobre eu ou você. Tecnologia só serve se for pra melhorar a qualidade vida das pessoas :)

Não sou mestre de nada, sou porque nós somos. Comentários mais que bem vindos e como sempre @homembit em todas as redes.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

A regra de ouro de comunidades: você vale o que contribui!

 Meu artigo anterior sobre Developer Relations acabou fazendo com que muita gente me procurasse nos últimos dias para saber mais sobre o que é de fato a profissão e como começar, por isso resolvi escrever esse aqui.

Antes de entrar no que é o trabalho com DevRel, vale a pena olhar para o pilar central de sustentação dele, que são as comunidades.


O título deste artigo é uma provocação, porque de fato eu não tenho tanta certeza que existe uma regra de ouro em comunidades, mas sei que seu valor nelas é diretamente proporcional ao que você contribui. Simples assim.


Não importa o assunto ou o tema, a comunidade sempre existe. Ela pode ser formal, com site, lista de discussão, grupo em ferramentas de comunicação ou redes sociais, ou informal e caótica, mas ela sempre existe, e nem sempre ela é de apoiadores.


Entender onde a comunidade está, sua dinâmica e principalmente as suas regras implícitas é a parte mais difícil, e essa só se aprende fazendo (e muitas vezes errando). Um exemplo disso é que existem comunidades completamente avessas a empresas, e comunidades completamente focadas em empresas.


Comunidades e pessoas estão em geral interessadas em mais do que conteúdo e conhecimento técnico. Estão de fato interessadas em experiências, principalmente se essas compartilharem aprendizados importantes sobre a aplicação real da técnica. Este é para mim o compartilhamento que faz a diferença.


Isso não significa que alguém que está aprendendo uma tecnologia nova não tenha nada interessante para compartilhar. Vejo muita gente errando nisso, tentando falar sobre assuntos técnicos complexos sem profundidade no assunto, e já vi gente passar vergonha feio com isso online e em eventos presenciais. Não importa onde você esteja, tenha certeza de que alguém por perto conhece mais daquele assunto do que você (isso vale demais para eventos presenciais), portanto empatia e humildade na hora de apresentar ou compartilhar seu conteúdo são fundamentais.


Por isso mesmo que o compartilhamento de experiências é fundamental. Se eu começo a estudar um assunto técnico hoje e não tenho profundidade para falar sobre ele, eu provavelmente posso compartilhar a minha experiência de aprendizado, e portanto ajudar pessoas a seguirem a mesma trilha que eu estou seguindo para aprender. Pessoas que já passaram por ela, podem me dar dicas importantes que vão me poupar um baita tempo e gente que está trilhando um caminho parecido pode se juntar a mim nessa caminhada e aprendermos juntos (perceba que aqui quando eu chegar no meu destino, já tenho uma comunidade ou já faço parte de uma).


Se eu já conheço bem sobre um tema, já posso falar com mais segurança sobre ele, mas ainda assim, o que vai criar uma conexão de verdade com as pessoas não são os meus conhecimentos técnicos puros, mas as minhas experiências de aplicação deles, e a parte mais legal, quando eu conto as minhas experiências eu estimulo as pessoas a contar as delas, e com isso todos aprendemos rápido, principalmente com os erros e lições que eles nos trouxeram. Essa é a mágica de comunidades para mim, e não importa se estamos falando de tecnologia, culinária, música, bricolagem ou qualquer outro assunto.


Aí vem a dúvida: como ganho dinheiro com isso? Como transformo isso em uma profissão?


Em tempos de pandemia, com uma câmera e um microfone na mão e inspirado pelos YouTubers e influenciadores digitais de plantão, muita gente acredita que quanto mais conteúdo for criado e compartilhado melhor, mas isso é um erro enorme. Você pode até acertar fazendo isso, mas vai ser na base da tentativa e erro (ou método empírico, como um amigo muito experiente em tudo isso gosta de falar).


Conteúdo útil é aquele que responde a alguma necessidade de outras pessoas, e não aquele que você "acha" que vão gostar, e não precisa de bola de cristal para saber que conteúdo é esse, basta observar o que a comunidade que você gostaria de participar está falando e o que estão procurando. Imaginar que você vai gerar uma comunidade toda em torno de você, simplesmente exalando sua sabedoria e simpatia é no mínimo inocente demais, pra não falar presunçoso, mas infelizmente vejo muita gente (e pior, empresas) insistindo nesse modelo.


Ganhar dinheiro com essas atividades leva tempo, e não existe receita de bolo pra isso. Quanto mais você compartilhar, mais portas serão abertas por você em outras comunidades, mais experiências você vai trocar e isso vai trazer mais oportunidades de ter novas experiências. Isso vai fazer de você um profissional.


No meu caso específico, foram 10 anos simplesmente contribuindo e compartilhando em comunidades até que eu recebesse meu primeiro salário por isso. Não, nunca cobrei por palestras na vida, sempre fui muito seletivo com os eventos que participei e no máximo aceitava que a organização dos eventos - quando patrocinados - pagassem minhas despesas de viagem. Sim, me ofereceram diversas vezes pagamento por palestras, mas nunca aceitei. Sempre fiz questão de escolher onde vou compartilhar o meu conteúdo, e isso vale para eventos, revistas, livros, sites, blogs, programas de TV e muitas outras coisas que fiz nos últimos quase 20 anos.


A diferença entre fazer isso "por amor" e "por dinheiro" é que por dinheiro você muitas vezes vai precisar fazer o que não quer tanto assim, mas vai precisar aprender a gostar daquilo, ou simplesmente desistir da profissão. Foi assim que eu trabalhei com diversas tecnologias e comunidades nos últimos anos. No início escolhendo o que ia falar, com quem ia falar e como ia falar (e claro, me comportando do jeito que achava pertinente), e depois quando alguém pagava o meu salário, me dava as regras do jogo: o assunto, o público alvo, o resultado esperado e principalmente - as regras sobre comportamento… sim, essa última é a parte mais difícil. Ser um profissional em Developer Relations é "ceder" sua credibilidade a uma empresa e não o contrário. Este acordo precisa ter um propósito claro que atenda as duas partes. Muitas vezes a empresa vai te abrir portas menos acessíveis e isso pode aumentar a sua visibilidade (e responsabilidade).


Não estou de forma alguma dizendo aqui sobre a ética de se cobrar ou não por palestras nem ditando regra, mas fica aqui o meu alerta para quem está entrando nesse mundo acreditando que vai ganhar muito dinheiro em pouco tempo: as coisas não são tão simples assim. Você sempre vai trocar dinheiro pela sua liberdade de expressão e muito cuidado, porque muitas vezes vão querer te pagar para falar para pegar emprestada a sua credibilidade e fazerem sei lá o que com ela. Só se perde a credibilidade uma vez.


Uma última dica importante: se você já está trabalhando com DevRel e ainda está no começo da sua carreira na área, volte no começo desse texto e leia tudo de novo. Você está tendo a oportunidade que eu e muita gente boa que conheci e acabou desistindo não teve - receber seu salário enquanto aprende a fazer tudo isso sob orientação de quem aprendeu do jeito difícil. 


É uma jornada por "ser" e não simplesmente "estar". Quem compra a sua reputação provavelmente vai ter que pagar por ela a vida toda, e pra dar um exemplo que denuncia a idade, onde estão mesmo as boy bands brasileiras dos anos 90?


Como sempre, estou à disposição para quem quiser conversar mais sobre o assunto e claro, trocar suas experiências.


quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Porque Developer Relations?

Nos últimos meses eu tenho visto um aumento crescente no interesse da indústria de tecnologia sobre relacionamento com desenvolvedores (Developer Relations), também conhecido por DevRel para os íntimos.

O número de oportunidades profissionais na área não para de crescer mundialmente, e empresas que nunca tiveram algo estratégico para desenvolvedores estão tentando entender o que é isso, enquanto outras estão expandindo muito suas equipes e ações de engajamento.

Os desafios da pandemia tornaram ainda mais difícil conseguir atrair desenvolvedores para conhecer seus produtos e serviços. Os mecanismos de marketing tradicional e corporativo que ainda traziam resultados (questionáveis) nesta área, passaram a não funcionar mais tão bem, e a competição enorme pela atenção das pessoas nesse novo mundo online obriga as empresas a pensar fora da caixa e finalmente entender de verdade o mundo dos desenvolvedores de software. Brindes legais nos estandes em eventos, meetups descolados com pizza e cerveja simplesmente não existem mais. Atração e retenção de talentos então, ficou ainda mais complicado. Com o home office virando o novo normal, aquele seu escritório descolado já não diz muito.

Mas porque engajar desenvolvedores virou algo tão importante e estratégico? Não tenho todas as respostas para isso, mas gostaria de dividir alguns insights com vocês, e estou disposto a conversar sobre eles nos comentários.

Nos últimos anos, o poder de influência dos desenvolvedores em decisões de tecnologia que tem impacto financeiro enorme só aumentou. Quando falamos de tecnologias e arquiteturas emergentes então, ele é gigante. Não sei se alguém já contou isso em público, mas eu vou contar o segredo: Nós desenvolvedores temos a habilidade para recomendar ou rejeitar tecnicamente qualquer tecnologia, produto ou serviço, e sim… muitas vezes fazemos isso para nos manter em nossa zona de conforto ou manter nosso nicho de especialização como "o futuro". Triste, mas verdade! (desculpa aí se vou colocar alguém em maus lençóis por contar esse segredo :) )

A grande missão do relacionamento com desenvolvedores é atuar como curador da jornada de aprendizado e experimentação dos desenvolvedores, trabalhando para que ela seja a mais suave, efetiva e objetiva possível. Nosso desafio é tornar a tecnologia, produto ou serviço que estamos trabalhando parte da zona de conforto dos desenvolvedores, idealmente trazendo-os para a co-criação de tal forma que se tornem parte daquilo que estão usando (aqui dá para começar a entender como Open Source é fundamental para o sucesso). Saímos do ponto "temos um produto", para o "temos uma comunidade". O resto é história, e o Java é um excelente exemplo disso.

Isso requer habilidades, conhecimentos e experiência em três áreas: Tecnologia, Comunidades e Marketing/Comunicação. Não existe receita de bolo, nem solução mágica, mas existem boas práticas e muitas lições aprendidas com os erros que cometemos e que observamos outros cometerem nas últimas décadas. Cada tecnologia, comunidade e cultura local demanda uma adequação dos planos, repaginação das mensagens e estratégias, muitas vezes completamente diferentes para atingir os objetivos. Essas diferenças são gritantes quando falamos de países ou regiões do globo diferentes, mas elas são fundamentais também dentro de um país imenso e multicultural como o Brasil.

No tempo em que a oferta de hardware e software era majoritariamente controlada por poucas empresas no mercado, isso tudo era muito fácil. Durante décadas usamos apenas dois tipos de plataforma (baixa e alta), e na baixa praticamente uma única arquitetura computacional e de processamento com um único sistema operacional.

Hoje vivemos uma profusão de tudo. Diversas arquiteturas computacionais, diversas formas de processamento, incluindo o processamento híbrido (processador + aceleradores), diversos tipos de dispositivos, muitos sistemas operacionais, milhares de bibliotecas e frameworks e por aí vai.

Como exemplo prático disso, a opção de um desenvolvedor ou de uma equipe (influenciada por desenvolvedores) por utilizar um determinado framework ou biblioteca, define imediatamente quais serão os sistemas operacionais utilizáveis, quais serão os processadores ou aceleradores aplicáveis e quais serão as possibilidades de comercialização do produto final, sem contar toda a definição da infra estrutura de operação e oferta de serviços. Define ainda quais serviços poderão ser integrados com facilidade e quais interfaces de comunicação poderão ser utilizadas. É sobre esse alicerce de tecnologia que produtos e serviços serão construídos.

Mas se alguém "de cima" tomar todas essas decisões e vier no famoso top down… vou contar outro segredo: a chance do projeto dar errado é enorme. Sem desenvolvedores comprometidos e satisfeitos com o que estão criando, nada brilhante vai ser desenvolvido. Ai vira um turnover imenso, conhecimentos e aprendizados se diluindo com o tempo e voilá… temos aquele legado que não funciona direito, traz mais problemas do que solução e ninguém está disposto a colocar a mão para resolver o vespeiro.

Olhando para a indústria de hardware, se antes para garantir que seu hardware pudesse ser utilizado em grandes empresas bastava um esforço de vendas focado em tomadores de decisão, hoje quando o hardware está em um imenso datacenter e acessado através de uma maravilhosa abstração chamada de "nuvem", o papel dos desenvolvedores de software passou a ser imenso. Acredite se quiser, a decisão sobre se o seu hardware será utilizado ou não em um projeto que pode escalar e ficar imenso, está a um clique ou uma linha de configuração que um desenvolvedor está escrevendo lá no começo, quando o protótipo do projeto está sendo utilizado, e dependendo do grau de otimização necessário, ele não vai voltar lá e refatorar tudo "de boa vontade" (caímos no turn over e no caos legado já mencionados).

Estudar, aprender e se familiarizar com novas tecnologias não é algo simples, demanda muito tempo (e investimento), e aprendemos nos últimos anos que é uma atividade que se torna muito menos complicada quando feita em grupo, em comunidade. Saber como colaborar nessa jornada, principalmente respeitando as regras quase nunca escritas que regem comunidades é fundamental.

Me motivei a compartilhar aqui essas provocações, porque com o aumento da oferta por esses profissionais, já começam a aparecer os "consultores especializados", as empresas de "as a service" e os "entendidos da coisa toda", que há um ano ou dois atrás eram tudo isso da novidade da moda. 

Me questionei muito antes de publicar esse artigo, mas tem hora que a paciência fica curta. Eu trabalho com developer relations há 17 anos, antes mesmo disso ter esse nome (ou de ter um nome qualquer, na verdade), e tenho muitos amigos que fazem um trabalho sério há quase 20 anos também. Deixo aqui o meu recado: Cuidado com os gurus de plantão. 

Depois de 17 anos fazendo isso, não me considero especialista pois a cada dia aprendo algo novo. É uma arte em desenvolvimento, e não um conjunto de regras e sim: depende de pessoas, de empatia e de respeito, muito mais do que de tecnologia.


sexta-feira, 11 de setembro de 2020

A sala de controle

Conversando com um amigo hoje, ele me lembrou deste conto que eu escrevi em 2010, um mundo pré Edward Snowden. Era só um conto, mas eu explorava o potencial nocivo do vigilantismo digital. O tempo provou que eu tinha razão. Nada como um dia depois do outro:

A Sala de Controle (Publicado em 28/5/2010 no saudoso trezentos.blog.br):

Foi um sonho estranho, e até agora não sei bem o que fazer com o que vi nele.

Deveria ter sido só mais uma viagem, igual a tantas outras que eu já fiz para participar de eventos internacionais. A diferença nessa era um coquetel, que seria oferecido a alguns palestrantes do evento na sede daquela empresa famosa, que entre outras coisas possui um sistema operacional para smartphones.

Lembro-me que no sonho eu pensava: Por que fui convidado para esse coquetel ? Existem mais brasileiros por aqui, mas por que fui o único convidado ?

Tudo ia bem, até que no meio do coquetel, depois de um discurso inflamado de um dos executivos da empresa, resolveram nos levar para conhecer as “inesquecíveis instalações” (quanta prepotência, pensei eu). Devíamos estar em um grupo reduzido, de dez ou quinze convidados e lá fomos nós, conhecer as “inesquecíveis instalações” da tal empresa. Tudo muito bonito, muito moderno e com um ar geek que daria inveja a qualquer nerd que conheço… apesar de tanta beleza, era mais do mesmo: escritórios com computadores de dar inveja, mesas repletas de bonecos e gadgets geeks para todos os gostos e paredes recheadas de figuras divertidas. Tudo estava relativamente normal, até que chegamos no final de um corredor, e nos deparamos com duas pesadas portas de metal, que parecia um elevador, mas dada a largura das portas, eu duvidava que fosse isso mesmo.

Me lembro de ter comentado com um dos visitantes que estava ao meu lado, que ali devia ser a entrada do data center deles, e qual não foi nossa surpresa quando a pessoa que nos guiava anunciou: Vocês foram escolhidos a dedo, pois temos o prazer de mostrar a vocês algo que temos e que vocês nunca esquecerão… Juro que pensei que ia ver um super mega data center…

As portas se abriram e pude confirmar minha suspeita de que aquilo era mesmo um elevador, e era o maior que já vi na vida, pois todos nós embarcamos de uma só vez. Me surpreendi ao ver o mecanismo de segurança usado para abrir a porta do elevador: um scanner da palma da mão, um scanner de retina, reconhecimento de voz e digitação de uma senha em um teclado todo maluco… alta segurança mesmo, pensei eu.

O elevador gigantesco não possuía botão algum e tão logo entramos todos, a porta se fechou quase que num passe de mágica. Com a porta fechada, senti que estávamos descendo e foi aí que percebi uma discreta câmera panorâmica no teto do elevador… deve ter alguém controlando isso de algum lugar.

Não sei se era pela ansiedade ou não, mas o elevador não chegava nunca. Não faço ideia da distância que descemos, mas sei que demorou bastante. Quando chegamos ao nosso destino, as portas se abriram e pudemos todos entrar em uma ante-sala, que possuía uma única (e gigante) porta, com o mesmo controle de acesso do elevador. Me lembro que pensei: “Será que é outro elevador ?”.

Nosso guia passou novamente por todo o seu ritual de identificação até que finalmente ouvimos um profundo e grave “cleck” e a porta se abriu. Pudemos ver um extenso corredor em nossa frente… Sigam-nos por favor, foi o que disse nosso guia, e assim lá fomos nós, caminhando pelo extenso e iluminado corredor. Finalmente no final dele existia uma porta de vidro muito grosso e jateado, que se abriu automaticamente quando chegamos perto dele. Vi novamente uma outra câmera de segurança no teto… seja o que for que vamos ver, é seguro mesmo !

Finalmente chegamos a uma sala, ou melhor dizendo a alguma coisa parecida com um mini auditório, com uma tela gigantesca composta por diversos monitores LCD, de dar inveja a muito cinema que conheço. Existiam ainda umas quatro fileiras de consoles e computadores, com umas 20 pessoas trabalhando neles… aquela sala de monitoramento me lembrou a sala de monitoramento das missões espaciais da NASA, que um dia vi num documentário… pensei que estávamos na sala de monitoramento das conexões de redes deles, e pelo porte da empresa, uma sala como aquelas era o mínimo que eu esperava.

Achei esquisito demais as imagens projetadas nos monitores: alguns mapas 3D do globo terrestre com milhares de pontos marcados neles (e a maioria desses pontos se movimentava de forma muito lenta), enquanto outras telas mostravam alguns vídeos… não sei por que aquela cena me deu um calafrio, pois não conseguia entender o que eles estavam monitorando. Foi aí que nosso guia começou a falar.

Ele disse que fomos escolhidos para conhecer aquela sala, pois aquela empresa sabia que poderia confiar em nosso sigilo, uma vez que nosso silêncio já havia sido comprovado no passado… os calafrios aumentaram.

Esta é nossa sala de controle, dizia nosso guia. Através dela, temos acesso a grande parte da população humana, e conseguimos monitorar suas atividades. Os smartphones que utilizam nosso sistema operacional nos enviam em tempo real a localização dos usuários e com isso, podemos saber aonde está cada pessoa. Podemos ainda combinar estas informações e saber quando um determinado grupo de pessoas está reunido, e ao dizer isso, apontou para um grupo de pontinhos em uma das telas. Foi dado um zoom no grupo apontado por nosso guia, e pude ver que aquelas pessoas estavam em algum edifício que se parecida com um restaurante.

Apenas para demonstrar nossa tecnologia, nos disse nosso guia, vamos ouvir o que estas pessoas estão conversando. Com apenas alguns cliques, uma nova tela se abriu e passamos a receber todo o som ambiente da sala onde as pessoas se encontravam… me lembro de ter duvidado de que aquilo estava mesmo acontecendo, quando nosso guia nos disse que aquele grupo estava ali reunido para debater um determinado tema, e que sabiam disso pois tinham acesso aos e-mails trocados entre eles para agendar o encontro. Aí tudo fez sentido: o som que estávamos ouvindo não vinha de nenhuma escuta ambiente, mas dos microfones dos smarpthones daquelas pessoas, controlados remotamente pela empresa… o calafrio aumentou ainda mais.

Que absurdo ! Protestou alguém… Quem garante que estas pessoas são elas mesmas ! Disse um outro… Nosso guia, na sua frieza de sempre apenas respondeu com um sorriso: E vocês acham que as telas touchscreen foram á toa ? Alguém aí acredita que o custo delas é assim tão baixo a ponto de equipar todos os smartphones com nosso sistema ?

Ao ver que todos nós estávamos perplexos com tudo aquilo, nosso guia ainda brincou: Vou ativar algumas câmeras para que vocês possa ver o que podemos fazer, e foi assim que imagens em vídeo passaram a ser apresentadas nos monitores LCD. A maioria delas estava muito (ou totalmente) escura, e nosso guia avisou que nestes casos os telefones deviam estar no bolso ou sob a mesa, e esta suspeita foi confirmada ao conseguir uma imagem que mostrava algumas lâmpadas. Ôba, disse o guia, estamos com sorte, pois um dos celulares tinha duas câmeras, sendo uma delas frontal.

Me lembro que eu sentia um misto de admiração e raiva, pois a tecnologia ali exibida era simplesmente fantástica, mas a utilização de tal tecnologia para espionar pessoas era simplesmente inaceitável. Um dos meus colegas protestou, dizendo que a empresa não tinha o direito de fazer aquilo, e um outro funcionário da empresa que estava calado até então entrou em uma discussão das mais insanas que já presenciei.

Dizia ele que a empresa tinha direito sim de utilizar aquelas informações e de fazer tudo aquilo que estava fazendo, e que tudo isso visava a garantia da segurança internacional… novamente a boa e velha desculpa para a bisbilhotagem deslavada. Um outro colega protestou de forma mais veemente, e foi aí que começaram a nos contar algumas histórias interessantes sobre atentados que haviam sido impedidos por conta desta tecnologia, criminosos que haviam sido localizados e detidos, quadrilhas desmanteladas e uma série de outros casos onde a tecnologia aparentemente havia sido utilizada para coisas boas… foi aí que eu resolvi lhes perguntar se a tecnologia não havia também sido utilizada para coisas não tão boas assim, como obtenção de informação privilegiada de governos e segredos industriais… a gargalhada por parte deles foi assustadora, e veio em seguida a resposta: “É evidente que sim…”.

Demonstrando muita irritação, um outro colegas então alertou: “Isso não vai ficar assim, vou denunciar esta prática ao mundo todo…”. Mais gargalhadas ecoaram pela sala, e um sonoro “você vai ficar de bico bem fechado, pois também podemos te monitorar e se você não se comportar de forma adequada, vai ser fácil te encontrar e fechar sua boca de uma vez por todas !”.

Perguntei então a eles o motivo pelo qual estavam nos mostrando aquilo tudo, pois era um despropósito gigantesco… Desta vez a resposta veio acompanhada de um sorriso irônico: ”É bem fácil de entender: vocês foram monitorados por nós durante os últimos meses, e descobrimos que sempre fizeram tudo aquilo que gostaríamos que fizessem, mesmo quando não estavam na nossa presença. Monitoramos cada ligação feita por vocês, sabemos com quem vocês se relacionam, quais informações trocam com estas pessoas e rastreamos e monitoramos a vida de vocês 24hs por dia, para nos certificar de que são realmente confiáveis. Estamos apresentando isso a vocês, pois nos últimos meses vocês tem enfrentado alguns problemas e tem tido dificuldade para nos ajudar a resolver nossos problemas de forma mais rápida e eficiente. Não temos dúvida que apoiados por uma ferramenta como esta, vocês poderão resolver com extrema rapidez os problemas que têm nos incomodado”…

Me lembro de ter ficado muito irritado com aquela proposta absurda, mas em seguida veio algo ainda pior: “É evidente que vocês podem se negar a continuar cooperando conosco, mas depois de ter conhecido nossa sala de controle, lhes restam poucas opções – ou permanecem do nosso lado, usando agora esta poderosa ferramenta, ou tomaremos as providências para que não fiquem de lado algum… na verdade vão ficar de um lado sim: o lado de dentro de uma cova rasa”… O desespero bateu bem forte e foi aí que eu acordei…

Me lembro de ter saído da cama e arrancado a bateria dos meus smartphones, e desde então, não vejo mais estes equipamentos com os mesmos olhos… 

domingo, 23 de agosto de 2020

Pivotar, Mindset, Feedback loop, MVP e afins... para leigos que gostam de New Order :)

Seguindo a linha do que me comprometi, bora mais um texto estilo o velho Homembit :)

Saio de 8 anos de trabalho em uma máquina de engenharia, produtos e mercado pra lá de consolidado, pra uma "startup"... galera.... tipo pular do Titanic quando ele estava na moda, pra uma lancha foda passando do lado, e o mais legal: mandaram um jetski pra me pegar... lá de cima parecia uma ideia foda, pulei!

Embarcado na lancha (a parte do jetski eu guardo para outro dia), começam palavras, termos e coisas que nunca tinha vivido antes... ouvido, lido, já tinha sim, mas ver ali... olha!

No resumo, foi tipo ler um livro e do nada ei tô nas páginas dele, e o mais legal, com uma caneta na mão e varias folhas em branco pra escrever a minha (nossa) história.

Quem já deu esse pulo da fé na vida, poder ir ler outra coisa... quem ainda não deu ou está no meio dele, bem vindo!

Quem me conhece, sabe do amor que eu tenho pela música e do tanto que aprendo com ela e por isso, esse vai ser um papo sobre mudança de mindset, pivotar, feedback loop e criar MVPs... com base na música.. Palavrinhas que eu sempre me arrepiava quando estava no Titanic, e aprendi rápido o que são e na boa... quero compartilhar aqui de uma forma divertida de entender!

Volta a fita pra década de 70, pra uma banda chamada Joy Division. Era o pós Punk Inglês, e do meio do nada em Manchester, quatro amigos de escola (ou quase isso), resolvem experimentar algo novo. Era a energia do Punk Rock, com uma pegada estranha... por motivos de... não sabiam tocar nada mesmo e achavam que ia ser legal. Acabaram na TV Inglesa, assim:

A coisa deu certo, e cresceu (sim, se você conhece os detalhes como eu conheço, sabe que estou economizando muita coisa), e se você não reconheceu essa música deles e ainda está lendo, essa aqui vai ligar o nome à pessoa:


Tudo programado pra banda estourar, mas em 18 de Maio de 1980, véspera da banda embarcar para uma turnê nos Estados Unidos que ia consagra-los para o mundo, Ian Curtis (o vocalista) perde a luta para os demônios que ele tinha cantado nos dois álbuns da banda e se suicida...

Contratos assinados, três caras malucos pra seguir em frente, Bono Vox (sim... esse mesmo do depois famoso U2) se oferecendo pra assumir os vocais, e banda decidiu que ia mudar o nome e seguir os planos traçados com o Ian. Tiveram que ajustar, e aí fica uma lição fundamental: PIVOTARAM!

Era tudo novo, e nasceu o New Order!

A indústria da música era complexa. Uma banda levava anos compondo e produzindo um disco. Eles não tinham esse tempo todo... era o final de uma ideia, e com contratos a cumprir nos Estados Unidos, resolveram se reinventar, afinal era aquilo o que amavam fazer juntos (a história muda anos depois).

Com a morte do Iam, tinham uma música que ele tinha deixado (Ceremony), e o resto... era experimentar.

Parte do MVP, foi uma coisa chamada finalmente de Temptation, que é uma das minhas favoritas e talvez a primeira música do New Order que eu ouvi na vida.... Brasil era lerdo, aí acho que ouvi ela aqui em 1983... mas em 1981, sem saber o que era direito essa mistura de música eletrônica com a pegada do Joy Division, lá foram eles "pagar o contrato" em New York... reparem na letra, e como conta o Peter Hook (baixista) em um dos seus livros, o primeiro  Uhhhh do Bernard Sumner.

O que embalou o começo da minha juventude (saudade, né meu filho), foi construído no palco. Um MPV, recebendo Feedback da galera (vaia mesmo em alguns casos). O Feedback loop deles era assim...
ao vivo!


Feedback pra cacete depois, iterações enormes na música, virou o que muitos de vocês ouviram ou se bobear ouvem até hoje pra dar aquela relaxada e lembrar dos velhos tempos.

E ela chegou nos ouvidos de todos assim (reparem na diferença na letra, que é gritante!):



Tem jeito diferente de contar a história, mas o New Order foi o uma pivotada do Joy Division, Temptation foi um MVP ajustado com muito Feedback Loop... isso tudo porque o mindset da banda de pós punk mudou quando resolveram usar instrumentos eletrônicos (inspirados pelo Kraftwerk).

Se chegou até aqui, vai entender que mudar o Mindset, pivotar uma ideia, fazer um MVP e evoluir com Feedback Loop não são coisas tão novas assim... e gosto de poder dar nomes curtos pra tudo isso... e a vida na lancha tá legal pra cacete :)

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Retomando os trabalhos aqui no Blog

Há quase 7 anos eu criei esse novo blog com o intuito de voltar a escrever como fazia há dez anos atrás, e fracassei miseravelmente, por motivos alheios a minha vontade, que gostaria de compartilhar aqui.

Mais ou menos quando criei o blog, eu acabei me tornando porta voz da empresa onde trabalhava. Isso me trouxe muitas oportunidades interessantes, além de muito aprendizado, mas me trouxe muita limitação em relação ao que eu podia falar e escrever publicamente.

Foi muito positivo, porque quem seguia o meu antigo blog deve se lembrar que eu escrevi com o fígado muitas vezes, e apesar de não me arrepender de nada que escrevi, relendo alguns artigos daquela época, eu acredito que um pouco mais de "parcimônia" teria passado mais a mensagem e trazido reflexões mais relevantes.

Durante esses 7 anos, eu tentei inúmeras vezes escrever sobre temas ligados a tecnologia, tentando propor algumas reflexões que considerava relevantes, mas dadas as limitações de temas, abordagens e principalmente opiniões, os textos ficavam frios, superficiais e portanto nunca foram publicados.

Eu li e vi muita bobagem escrita e falada sobre as diversas tecnologias com as quais trabalhei nesses anos: IoT, Inteligência Artificial e Jogos Eletrônicos, entre outros, destilava meu veneno em conversas com amigos e quase sempre ouvia "você precisa publicar isso!". Precisava mesmo, mas não podia (a não ser que quisesse trazer problemas profissionais pra mim que não seriam fáceis de lidar).

Ainda assim, fico feliz em ver que mesmo as poucas coisas de tecnologia que publiquei aqui acabaram se provando verdadeiras ao longo do tempo, e quando vi o painel do carro que comprei há alguns meses, lembrei imediatamente desse post aqui.

Estou em uma outra fase na minha vida profissional, e com ela eu quero retomar o meu habito de escrever e compartilhar. Os aprendizados dos últimos anos e os cabelos brancos me trouxeram um pouco mais de experiência, e espero que nesta nova fase de artigos consiga refletir esse aprendizado.

Em resumo: O Homembit voltou! Menos visceral, mais experiente, mas com a mesma acidez e sarcasmo de antigamente. Bem vindos e bora lá compartilhar minhas opiniões sobre diversos temas, com base nas histórias que vi e vivi nos anos em que fiquei em silêncio e claro, chamar todo mundo pra conversa.

Sobre um pouco do que aprendi nos últimos anos, deixo aqui o link de uma palestra curta que fiz quando criamos a trilha Carreiras no TDC em 2017, compartilhando as 5 lições mais importantes que aprendi ao longo da minha carreira e que podem te ajudar na sua. Acho que preciso expandir e atualizar essa lista, e quem sabe faço isso em um TDC futuro :)

sábado, 8 de junho de 2019

E morre Andre Matos...

Das coisas mais legais que ouvi na vida sobre o meu jeito de escrever, veio da minha amiga Ada Lemos (uma avó/mãe intelectual) que me falou: Adoro ler o que escreve, porque é de enfiada! Direto e reto, do coração ou do fígado, mas direto... Mais um, Ada!

Quero só deixar aqui escrito o que foi aparecer um André Matos, visto pela minha ótica de quem tinha banda desde 1986 e era fã do Heavy Metal, chamado nos anos 80 de "Rock Pauleira".

Nos anos 80, foi aquilo que todo mundo ouve, "rock nacional"... adoro hoje e sempre, mas achava na época que era isso aí que ia ser... até que um bando de gente doida começou a tocar Iron Maiden e Sex Pistols.

Moro no ABC paulista. Adivinha... pau e briga atrás de pau e briga. Muita atitude e talento musical escasso!

Os 80 acabou e saiu cada um atrás da sua musicalidade. Eu e minha banda corremos atras do Hard Rock, e uma galera enorme correu atrás do Heavy Metal.

Resumindo 10 anos de história em uma frase: apareceu o Andre Matos!

Porra... o que era aquilo! Uma mistura de Iron Maiden com Halloween, brasileiro!

Só quero deixar registrado aqui, que ao ouvir o que ele cantava, e o sucesso que fazia fora do Brasil, me levou a sonhar que eu poderia ser mais do que aquele moleque que tocava hard rock no fundo do quintal.

Foram 5 anos e meio de faculdade de Engenharia, estudando nas madrugadas ao som de Angra.

Ainda tenho essa música no meu "favoritos" da playlist, pros dias em que acordo com vontade de desistir. Sei que o vocal dele não era o original, mas mesmo assim... não morre um cara qualquer. Morre o cara que me ajuda a acordar cada dia em que penso em desistir. E cada dia desse, grito com ele dentro do carro.

Muito obrigado por tudo! Que esteja em paz!

Segunda é depois de amanhã. Vai ter Living For the Night no talo no carro. Chego rouco no trabalho!