Não lembro com precisão em que ano foi, mas provavelmente algo entre 1997 e 1998, que durante uma aula na faculdade de engenharia na FEI, quando estudávamos sobre padrões de comunicação e protocolos, alguém acabou perguntando a um professor como as normas do IETF e ISO para TI eram escritas. Ele deu lá uma explicação, falando sobre a participação de especialistas do mundo todo, mas avisando que a imensa maioria deles era habitante do hemisfério norte.
Empolgado com o tema, eu soltei um "Tá aí... um dia eu quero ser autor de uma norma dessas!" o que provocou uma gargalhada sarcástica do professor, que me olhando com raiva soltou um "Vê se te enxerga."
A turma toda riu da minha cara, e eu levei numa boa, apesar de no fundo ter ficado chateado em ver um professor universitário, que se gabava de ter criado muita coisa na época da reserva de mercado, falando com tanto desprezo com um aluno. No fundo não fiquei tão chateado assim, pois pra mim aquilo só servia para mostrar que parte do "vê se te enxerga" era provavelmente reflexo da bosta de curso que ele ministrava, e portanto um resultado do seu fracasso como professor de verdade. Sim, ele tinha (e tem) nome famoso no mundo da TI brasileira, mas guardo pra mim aqui este segredo.
No fundo aquilo me serviu de inspiração, e guardei aqui dentro de mim a utopia pessoal de um dia poder colaborar para o desenvolvimento de uma norma técnica internacional.
Os anos se passaram, minha vida deu um milhão de voltas, e depois de abrir mão de muita coisa e me chutar pra fora de uma zona de conforto que normalmente draga muita gente com utopias na cabeça no Brasil, me vi envolvido em processos de normalização internacional.
Representei o Brasil em reuniões internacionais da ISO, e acabei sendo um dos colaboradores do grupo que desenvolveu o padrão OpenDocument Format na sua versão 1.2, no OASIS. Aliás, eu era o único habitante do Hemisfério Sul naquele comitê.
Em Setembro de 2011 o ODF 1.2 foi aprovado no OASIS e pouco tempo depois eu me afastei totalmente do mundo da normalização, lendo esporadicamente uma notícia aqui ou outra ali.
Na semana passada, em uma das listas que ainda participo, recebi um e-mail contando sobre a aprovação do ODF 1.2 como norma ISO/IEC (as versões anteriores do ODF já eram ISO também, e a versão 1.0 é ainda uma NBR, processo que tive a honra de coordenar aqui no Brasil, dentro da ABNT).
O padrão é composto por três documentos, e ganhou o nome de ISO/IEC 26.300:2015. Os três documentos podem ser acessados - em sua versão ISO - aqui, aqui e aqui. Se não fizer questão da versão impressa e de pagar um bom dinheiro por ela, pode acessar a norma gratuitamente no site do OASIS em diversos formatos, como ODF, PDF e HTML.
Dos tempos de faculdade até hoje, foram quase 20 anos de muito trabalho, muito estudo e principalmente muito suor e sacrifícios, pois como se deve bem imaginar, apesar do discurso empolgado de muito empresário nos fóruns e congressos de tecnologia que frequento no Brasil, infelizmente por aqui ninguém se importa com trabalho de normalização e portanto, pagar as contas enquanto se faz isso é quase uma profissão de fé.
Na verdade eu só escrevi este texto na esperança de que ele chegue até o meu antigo professor com a seguinte frase: "EU ME ENXERGUEI, E SOU CO-AUTOR DE UMA NORMA INTERNACIONAL".
Espero ainda que este depoimento chegue a diversos estudantes e profissionais de tecnologia no Brasil todo, que têm lá a sua utopia pessoal como eu tinha a minha. Um "Vê se te enxerga" não é sempre um balde de água fria. Ele pode ser um esteroide anabolizante que vai te dar forças naquelas horas em que tudo está indo mal e você está quase desistindo do seu sonho.
E confesso a vocês... é tão gostoso e gratificante quando nos enxergamos e vemos que somos bem maiores do que aquele que tentou nos "colocar no nosso lugar".
Grande abraço professor. Seus ensinamentos técnicos não me serviram pra nada na vida, mas o seu "Vê se te enxerga", mudou sim a minha vida, e para melhor. De coração, meu MUITO OBRIGADO!
terça-feira, 30 de junho de 2015
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
O financiamento da inovação na era IoT
Em junho do ano passado, eu publiquei aqui no blog um artigo, compartilhando os sites que visito com frequência para dar uma espiada no futuro, e entre eles eu cite o papel do crowdfunding no financiamento da revolução da Internet das Coisas. Tenho abordado este tema em diversas palestras e conversas pelo Brasil todo, e muita gente ainda olha com algum ceticismo para este tipo de financiamento.
Finalmente ontem, surgiu algo absolutamente impressionante, que demonstra o que o crowdfunding é capaz de fazer.
A Peeble, empresa que fabrica smartwatches, lançou no Kickstarter uma campanha para angariar fundos para produzir o seu novo smartwatch, o Peeble Time. A meta deles era captar US$ 500k, e surpreendentemente a meta foi atingida em 17 minutos (sim... DEZESSETE MINUTOS). Mais que isso, eles alcançaram a cifra de US$ 1M (um milhão de dólares) em exatos 49 minutos.
Neste exato momento que escrevo, eles já conseguiram levantar US$ 9.457.964,00 e notem que a campanha dura ainda mais 30 dias !
Eu tenho vontade de pegar uma máquina do tempo e voltar alguns anos no passado - não precisa nem ser muito, uns 5 ou 6 já seriam o suficiente - e encontrar um investidor de risco ou gestor de fundo de investimento e contar pra ele que em 2015, uma empresa competente com uma boa ideia na cabeça e capacidade comprovada de execução iria conseguir levantar mais de 10 milhões de dólares através de "doações individuais" em menos de 48 horas, em sua maioria feitas por pessoas comuns como eu e você. Certamente isso iria soar como piada ou utopia, mas voilá: está sendo feito.
Do mesmo modo que fico contente em ver este tipo de iniciativa dando certo em diversos projetos que acompanho, fico com uma inveja danada em ver a dificuldade para se conseguir algo parecido aqui no Brasil. Os obstáculos são enormes e o único projeto de hardware brasileiro que conheço que passou por isso, acabou forçando a empresa a sair do Brasil para conseguir produzir o equipamento e "realizar o sonho" dos seus fundadores... Triste, porém verdade.
Conversando recentemente com um experiente empreendedor norte americano, ele me contou que a principal diferença do ambiente de negócios aqui do Brasil para o americano é que por lá, as opções para que alguém possa "jogar tudo para o alto" e perseguir o seu sonho de abrir uma empresa sem passar fome no processo são muito maiores. Desde a formação focada no empreendedorismo desde cedo na grade curricular até diversas formas de financiar uma empreitada dessas (incluindo o crowdfunding), eles possuem um leque de opções bem grande para explorar.
Claro que nem tudo são rosas, e as empresas também enfrentam dificuldades no processo, e aí mesmo que novamente nossa cultura dá um baile em quem resolver tentar algo do tipo. Por lá, se uma iniciativa de empreendedorismo dá errado, culpa-se o mercado, a conjuntura econômica ou até a falta de sorte, e não é raro ver empresas de sucesso que só deram certo após a terceira ou quarta tentativa. Por aqui, quando uma empreitada dessas dá errado, o que resta ao empreendedor é ouvir um monte de críticas do tipo "você foi maluco", "trocou o certo pelo duvidoso e se deu mal" e até "como uma pessoa casada e com família pode se dar ao luxo de uma aventura dessas", pra não citar os problemas financeiros, jurídicos e burocráticos que ainda se tem para poder encerrar de vez a aventura.
Infelizmente por aqui, somos formados para ser funcionários de alguma grande empresa, e não para empreender e por isso mesmo, a maioria das pessoas extremamente talentosas e competentes que conheço, quando têm a faca e o queijo na mão para empreender e quem sabe se tornar o próximo Steve Jobs já está casada, com dois filhos dentro de casa, e alguns financiamentos (casa, carro e etc) para pagar religiosamente todo mês... aí só "fazendo loucura" mesmo, não ?
Que a lição que o crowdfunding do projeto do Peeble nos mostre que realmente é possível financiar colaborativamente empresas e ideias inovadoras, e que de alguma forma deixa uma pulga atrás da orelha em quem pode fazer qualquer coisa para que este tipo de iniciativa possa ser utilizada no Brasil para financiar nossos projetos e empresas inovadoras.
Andando por hackerspaces, makerspaces e afins pelo Brasil afora nos últimos tempos, cada dia eu fico mais frustrado em ver tanto talento e tanta gente brilhante sendo subutilizada. Se não mudarmos isso, jamais teremos um Steve Jobs brasileiro, e quem sabe com alguma sorte, teremos uma meia dúzia que vai conseguir algum dia trabalhar para a empresa dele.
Para quem quer saber mais sobre este novo recorde do Peeble no Kickstarter, dê uma olhada neste artigo aqui.
Finalmente ontem, surgiu algo absolutamente impressionante, que demonstra o que o crowdfunding é capaz de fazer.
A Peeble, empresa que fabrica smartwatches, lançou no Kickstarter uma campanha para angariar fundos para produzir o seu novo smartwatch, o Peeble Time. A meta deles era captar US$ 500k, e surpreendentemente a meta foi atingida em 17 minutos (sim... DEZESSETE MINUTOS). Mais que isso, eles alcançaram a cifra de US$ 1M (um milhão de dólares) em exatos 49 minutos.
Neste exato momento que escrevo, eles já conseguiram levantar US$ 9.457.964,00 e notem que a campanha dura ainda mais 30 dias !
Eu tenho vontade de pegar uma máquina do tempo e voltar alguns anos no passado - não precisa nem ser muito, uns 5 ou 6 já seriam o suficiente - e encontrar um investidor de risco ou gestor de fundo de investimento e contar pra ele que em 2015, uma empresa competente com uma boa ideia na cabeça e capacidade comprovada de execução iria conseguir levantar mais de 10 milhões de dólares através de "doações individuais" em menos de 48 horas, em sua maioria feitas por pessoas comuns como eu e você. Certamente isso iria soar como piada ou utopia, mas voilá: está sendo feito.
Do mesmo modo que fico contente em ver este tipo de iniciativa dando certo em diversos projetos que acompanho, fico com uma inveja danada em ver a dificuldade para se conseguir algo parecido aqui no Brasil. Os obstáculos são enormes e o único projeto de hardware brasileiro que conheço que passou por isso, acabou forçando a empresa a sair do Brasil para conseguir produzir o equipamento e "realizar o sonho" dos seus fundadores... Triste, porém verdade.
Conversando recentemente com um experiente empreendedor norte americano, ele me contou que a principal diferença do ambiente de negócios aqui do Brasil para o americano é que por lá, as opções para que alguém possa "jogar tudo para o alto" e perseguir o seu sonho de abrir uma empresa sem passar fome no processo são muito maiores. Desde a formação focada no empreendedorismo desde cedo na grade curricular até diversas formas de financiar uma empreitada dessas (incluindo o crowdfunding), eles possuem um leque de opções bem grande para explorar.
Claro que nem tudo são rosas, e as empresas também enfrentam dificuldades no processo, e aí mesmo que novamente nossa cultura dá um baile em quem resolver tentar algo do tipo. Por lá, se uma iniciativa de empreendedorismo dá errado, culpa-se o mercado, a conjuntura econômica ou até a falta de sorte, e não é raro ver empresas de sucesso que só deram certo após a terceira ou quarta tentativa. Por aqui, quando uma empreitada dessas dá errado, o que resta ao empreendedor é ouvir um monte de críticas do tipo "você foi maluco", "trocou o certo pelo duvidoso e se deu mal" e até "como uma pessoa casada e com família pode se dar ao luxo de uma aventura dessas", pra não citar os problemas financeiros, jurídicos e burocráticos que ainda se tem para poder encerrar de vez a aventura.
Infelizmente por aqui, somos formados para ser funcionários de alguma grande empresa, e não para empreender e por isso mesmo, a maioria das pessoas extremamente talentosas e competentes que conheço, quando têm a faca e o queijo na mão para empreender e quem sabe se tornar o próximo Steve Jobs já está casada, com dois filhos dentro de casa, e alguns financiamentos (casa, carro e etc) para pagar religiosamente todo mês... aí só "fazendo loucura" mesmo, não ?
Que a lição que o crowdfunding do projeto do Peeble nos mostre que realmente é possível financiar colaborativamente empresas e ideias inovadoras, e que de alguma forma deixa uma pulga atrás da orelha em quem pode fazer qualquer coisa para que este tipo de iniciativa possa ser utilizada no Brasil para financiar nossos projetos e empresas inovadoras.
Andando por hackerspaces, makerspaces e afins pelo Brasil afora nos últimos tempos, cada dia eu fico mais frustrado em ver tanto talento e tanta gente brilhante sendo subutilizada. Se não mudarmos isso, jamais teremos um Steve Jobs brasileiro, e quem sabe com alguma sorte, teremos uma meia dúzia que vai conseguir algum dia trabalhar para a empresa dele.
Para quem quer saber mais sobre este novo recorde do Peeble no Kickstarter, dê uma olhada neste artigo aqui.
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